quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Elena Guerra e o Reavivamento do Espírito Santo.

Por meados do século XIX, na Itália, os trabalhos de uma jovem chamada Elena Guerra vão desencadear o que viria a ser um verdadeiro reavivamento espiritual na vida da Igreja, centrada na devoção e no culto à pessoa do Divino Espírito Santo.

De uma família razoavelmente abastada, Elena Guerra nasceu em Lucca, na Itália, a 23 de junho de 1835. Criada em um ambiente profundamente religioso, católico, Elena se dedica desde cedo ao estudo da Palavra de Deus, à Patrologia, mantendo-se sempre envolvida em atividades apostólicas. Como Dama de Caridade de São Vicente, trabalhou com denodo junto aos pobres, assistindo-os especialmente durante um surto de cólera que assolou a região onde vivia. Participou também da associação das Filhas de Maria.

Com seu pai, Antônio Guerra, Elena – em peregrinação pascal na cidade de Roma – faz uma profunda experiência de Deus ao visitar as Catacumbas dos Mártires, que desperta nela o desejo de uma vida inteiramente consagrada ao Senhor. Durante essa peregrinação (Abril de 1870), Elena assiste, na basílica de São Pedro, a uma audiência pública – à terceira sessão conciliar do Concílio Vaticano I –, na qual foi aprovada a Constituição “Dei Filius”, sobre a Fé. Decide-se, depois de uma visita a Pio IX, a fazer a oferta de sua vida pelo bom êxito do pontificado desse Papa.

Com um grupo de amigas, Elena dá início a uma associação que foi aprovada como “Pia União das Amizades Espirituais sob a invocação de Maria Santíssima, Mãe do Belo Amor”. A pertinência da associação foi logo confirmada por sua rápida expansão, não só na cidade de Lucca, mas inclusive pelos campos das cidades vizinhas (Viareggio, Castelnuovo Garfagnana, Florença, Sena, e outras).

No ano seguinte (1872), Elena, com o seu grupo das Amizades Espirituais, dão início a uma nova experiência de vida religiosa, transformando a Pia União na Congregação das Irmãs de Santa Zita, cujo apostolado se concentrava na educação cultural e religiosa da juventude feminina (A patrona da Congregação – a virgem lucense Santa Zita –, tem atualmente o seu corpo exposto, incorrupto, na Igreja de São Frediano, em Lucca – Igreja na qual foi batizada Elena Guerra).
Nos anos que se seguem à fundação da Congregação, Elena sente crescer dia a dia, no seu coração, uma profunda devoção ao Espírito Santo. Algumas experiências místicas – locuções, apelos interiores – vão colocando em seu coração uma acentuada inquietude em relação à condição bastante precária que se podia notar, na Igreja, no tocante à devoção e ao culto à pessoa do Espírito Santo. O Senhor a inspirava e a instava a tomar alguma iniciativa; mas ela hesitava...

Em 1893, uma “porta-voz” – como diria ela em seu diário (E. Guerra, Mss. VI, 242) aguçou sua coragem profética: “Ermínia Georgetti, uma senhora simplicíssima, ignorante no que diz respeito aos conhecimentos do mundo, mas bem fundada nas virtudes cristãs” (Mss. VI, 244), revela-lhe que, há uma semana, depois da comunhão, o Senhor insistia em que ela falasse com a Madre (Georgetti era ajudante na cozinha), e como ela não se encorajasse em fazê-lo, seu coração se encontrava inquieto... E, naquela manhã o Senhor repetia a ordem, pedindo que ela obedecesse... E disse-lhe Georgetti. “No meu interior a voz de Jesus me disse: „Gostaria que você dissesse à Madre que convocasse ao meu coração todos os fiéis em uma oração universal por meio da devoção do Novo Cenáculo‟1... O Amor não é conhecido... O Amor não é amado... Meu Coração não pode repousar nem mesmo nos corações a mim consagrados!... Diga tudo à Madre... Diga-lhe que escreva uma carta ao Santo Padre, pedindo-lhe que reúna todos os fiéis em contínua oração...”2

Quase dois anos depois Elena cede a esses apelos. Monsenhor Giovanni Volpi, que já há alguns anos, frequentava a Comunidade das irmãs como Pai espiritual, comenta com Leão XIII, em uma visita à Roma no ano de 1894, sobre sua intenção. O papa não refutou a ideia de fazer qualquer coisa nesse sentido, e, assim, em 17 de abril de 1895, Elena envia a Leão XIII, por meio do padre Bertini – prior de Santa Maria do Povo –, a sua primeira carta3 (outras 12 cartas e um pequeno “bilhete”, por assim dizer, se seguiriam, na sequência). Nela, Elena manifesta sua agonia pela pouca atenção dada pela Igreja à pessoa do Espírito Santo. Em uma passagem, diz:

“Santíssimo Pai... o mundo é mau, o espírito de Satanás triunfa nessa pervertida sociedade e em uma multidão de almas, que rasga o Coração de Deus; e embora nessas lastimáveis condições de fatos, os cristãos não pensam em dirigir unânimes súplicas Àquele que pode “renovar a face da terra”... Se recomenda todas as devoções – e isso é bom –, mas daquela devoção que, segundo o espírito da Igreja, deveria ser a primeira, se esquece. Se faz muitas novenas – e isso é ótimo –, mas aquela Novena que por ordem do próprio Salvador foi feita inclusive por Maria Santíssima e pelos Apóstolos, é agora praticamente esquecida. São louvados pelos Pregadores todos os santos – e isso é bom! –, mas uma pregação em honra do Espírito Santo – que é Aquele que forma os santos – quem a faz? (...). Portanto, ó Santo Padre, somente vós podeis fazer com que os cristãos retornem ao Espírito Santo, a fim de que o Espírito Santo torne a nós, abata o maligno império do demônio e nos conceda prontamente a desejada renovação da face da terra...”4

Um momento de graça, profético, iluminado, “no qual a Igreja parece reencontrar a capacidade de escutar a voz do Espírito que lhe fala através de uma humilde freira provinciana, insignificante e desconhecida, mas preciosa naquele tempo e naquele momento da história”.5

Desse período de correspondência epistolar com Elena Guerra, Leão XIII destina à Igreja três documentos sobre essa questão relacionada ao culto ao Espírito Santo: um, a cinco de maio de 1895 (O Breve “Provida Matris Charitate”, em que convidava os fiéis à invocação ao Espírito Santo, com a recomendação de se fazer uma novena por ocasião de Pentecostes); outro, a nove de maio de 1897 (a 1ª encíclica sobre o Espírito Santo, “Divinum illud munus”,) e a Carta aos Bispos “Ad fovendum in cristiano populo”, em que reforça as recomendações anteriores.

De sua parte, Elena prossegue trabalhando intensivamente pela difusão da devoção ao Espírito Santo. Escreve diversos livros sobre o assunto, e envia à Leão XIII uma Novena de Pentecostes de sua autoria, intitulada “O Novo Cenáculo”. Tanto fez pela devoção ao Espírito Santo que, uma vez acometida de uma enfermidade mortal, deixou jorrar do coração para os lábios essa apaixonada e significativa oração: “Senhor, ofereço-vos a minha vida e a minha morte pelo triunfo do Espírito Santo”.

Recebida pelo papa em audiência especial a 18 de outubro de 1897, recebeu dele grande estímulo para continuar em seu apostolado pela causa do Espírito Santo. Autorizou-a, também nessa ocasião, a dar às religiosas de sua Congregação o nome de Oblatas do Espírito Santo, identificando-as, assim, de modo mais adequado, ao carisma que lhes é próprio na Igreja.

A 20 de junho de 1903, falece o papa Leão XIII. Depois de alguns anos, grandes sofrimentos se apresentam na vida da madre fundadora Elena Guerra. Como tantas outras figuras da história da espiritualidade cristã, Elena também precisou abraçar corajosamente sua cruz e empreender o caminho do calvário. Foi deposta de sua autoridade por vulgar conspiração de algumas pessoas soberbas, e, sobretudo, ingratas. Teve – por imposição da autoridade eclesiástica local – de renunciar publicamente ao cargo de Superiora da Congregação. Viveu os últimos sete anos de sua vida num verdadeiro deserto, isolada das atividades e da companhia de suas filhas.

Depois de sua morte, revelou-se a tremenda injustiça cometida contra a superiora, e reparações diversas foram apresentadas. O Cardeal Lorenzelli, no fim dos trabalhos e da borrasca, exclamou: “Encontramos ouro onde críamos haver lixo, e lixo onde críamos haver ouro”...6

Elena Guerra faleceu a 11 de abril de 1914 (mesmo dia e mês em que morreu sua discípula Gemma Galgani – embora 11 anos mais tarde –, quando também era um Sábado Santo!), em Lucca, tendo convivido com quatro papas: Gregório XVI (1831-1846), Pio IX (1846-1878), Leão XIII (1878-1903), e Pio X (1903-1914).

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